Gazeta Itapirense

Nossa História: O palhaço Fredô e o Circo Irmãos Almeida

Eu era muito pequeno, um garotinho ou, como costumo escrever em meus artigos, um menino magricela de orelhas grandes, mas lembro bem de um circo que virava e mexia estava na cidade. Era o Circo Irmãos Almeida, que se instalava em um terreno nas proximidades da Rua da Penha, mais conhecido como Tola Cavalo, ou no Largo de São Benedito.

Como não tenho tantas lembranças para contar desse maravilhoso circo, pois lembro de alguns detalhes ou personagens, como o palhaço Fredô, tomo a liberdade de utilizar partes das lembranças do saudoso doutor Sérgio de Freitas, uma pessoa que sempre admirei principalmente pela preocupação com a história de nossa cidade e seus personagens.

“Aportou aqui em nossa cidade pelos idos de 1953, seu diretor Walter de Almeida, abnegado, jovem, já com sua esposa e alguns filhos. Procurando local para a armação do seu “palácio de lona verde “, dirigiu-se para o local costumeiro onde se armavam quase todos os circos que por aqui passavam. Surpresa! Ali não poderia armar seu circo.

Naqueles tempos a perda de tempo, a viagem de retorno, a procura de nova cidade traria, sem dúvida nenhuma, muito prejuízo.

Já desanimado, Walter já ia rumando pela Rua do Amparo (hoje Rua da Penha), para sair da cidade. Ao longo da rua, depara com um enorme terreno à direita na altura da esquina que adentra para a Vila Presidente Kennedy , o popular Tola Cavalo, naquela época  pertencente ao Freitas “bigodudo”, tio do Neco de Freitas, meu pai. Após tratado os “etcéteras”, armou-se pela primeira vez em Itapira o “Circo Teatro Irmãos Almeida”, cujas temporadas entre idas e vindas duravam meses, quase anos.

Nas minhas reminiscências do passado, sempre guardei a imagem desse circo, como um marco da minha infância. Luzes feéricas, alto-falantes, pipoqueiros, multidão em fila comprando ingressos, burburinho, vozerio, misturado às guarânias e aos brados dos vendedores: Olha o Amendoim! Pipoca quentinha! Também muito choro de criança, algodão doce e um sem fim de flashes e de momentos inesquecíveis que não se apagaram com os anos.

E já se passaram muitos anos! Muitas e muitas vezes o Walter de Almeida e sua “trupe” retornaram a Itapira, ora armando o circo no largo de São Benedito, ora na Rua da Penha e ainda pela última vez no alto da Santa Cruz, provavelmente na década de 60 ou 70. Pelo tempo que o circo permanecia na cidade, aos poucos os seus artistas começaram a fazer parte da sociedade itapirense e um sentimento de familiaridade se desenvolveu e permitiu que suas atividades circenses ficassem fazendo parte da história da cidade.

Walter sempre carismático e muito educado, além de um perfeito gentleman, era o homem dos sete ofícios.

Artista mesmo, fazia de tudo e sempre com muito respeito tratava a todos com alegria. Mesmo naqueles momentos quando “varávamos” por baixo da lona do circo para assistir o espetáculo de graça, a ordem de Walter era para que os seguranças não nos tirasse do circo. Sabia ele ser criança e respeitar os sonhos infantis.

Certa vez após já estar com a casa cheia e os ingressos todos vendidos suspendeu a “função”, quando soube do falecimento de uma pessoa muito querida que residia quase em frente ao Circo. Daquele dia em diante a família do extinto Acácio Pinto (benzedor) e todos os itapirenses puderam conferir mais um preito de gratidão e valorizar o caráter desse homem de circo que, além de artista, sabia também sentir a dor alheia, no âmago de sua alma.”

“Estreou aqui em Itapira em meados de 1953 levando ao palco a peça Honrarás tua Mãe. Podemos lembrar ainda das seguintes peças teatrais que marcaram época naquela Itapira provinciana, quando não havia ainda a televisão: E o Céu Uniu Dois Corações, de Antenor Pimenta, Mestiça; Ah! Mestiça! Quem não se lembra de  quando Walter cantava: (…Mostraram-me um dia; Na roça dançando; Mestiça formosa…), com a participação de Abegair (Nhá Tica), sua irmã, e que fazia a lindíssima mestiça; Rosa do Adro, Silvio, o Cigano, O Direito de Nascer, Lágrimas de Homem, Carnaval no Rio (revista), A Noite do Riso (revista),Casamento do Fredô (comédia), Marcelino Pão e Vinho, com a participação, fazendo o Marcelino, do Aberio, filho do Walter; O Cangaceiro, Jesebel, Três Almas Para Deus, Os Irmãos Corsos e tantas outras.

Walter era sempre o ator requisitado para fazer o papel de galã, e o fazia muito bem. Trabalhou como ator praticamente em todas as peças que levaram ao palco.

Possuidor de uma verve artística sem igual, tinha conhecimento de movimentos e postura no palco que faziam inveja. O ponto Juvelino Ferreira podia até faltar que o improviso se encarregava de fazer dar tudo certo. Desde os clássicos dramalhões até o tragicômicos eram representados com muita classe e perfeição.

A dicção era perfeita e naqueles momentos mais dramáticos e emocionantes frequentemente saíamos em prantos do circo, custando ainda a crer que toda a representação não passava de fantasia; de uma peça dramática. Todos, atores e atrizes, tinham o grande mérito porque representavam maravilhosamente bem, mas sobretudo porque eram pessoas humildes, lutando para sobreviver e encantavam com a pureza de suas almas o “respeitável público” que não arredava o pé do circo, chovesse ou não. Eram momentos de candura, de beleza e principalmente de sensibilidade, e a platéia embevecida participava com o coração nas mãos, assistindo maravilhada o transcorrer das peças qual fossem novelas televisivas.

O silêncio era total. Apenas as luzes da ribalta permaneciam acesas e naquele lusco-fusco das lâmpadas amareladas, podíamos ir sorvendo o passar do primeiro; do segundo; do terceiro ato, até o desfecho final que era ora trágico, ora feliz como sói acontecer com as histórias contadas pelo teatro.

Nas suas apresentações sempre havia novidades. Muitos artistas de renome participavam dos espetáculos. A famosa dupla de cantores Cascatinha e Inhana, Tonico e Tinoco, Oscarito, Mazzaropi, Alvarenga e Ranchinho, Os trapalhões Dedé, Didi, Mussum e Zacarias, Cauby Peixoto, Luis Gonzaga, Vicente Celestino, o cantor Paulo Sérgio, falecido precocemente, e até A Caravana do Peru que Fala, com Silvio Santos, Geni Soares de Lima, Roberto Luna e o Homem do Macaquinho.

Valter também se apresentava nos programas da Rádio Clube de Itapira, apresentados por Dácio Clemente, e com total apoio do Luiz Norberto da Fonseca.”

 

Humberto Butti é jornalista

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