Gazeta Itapirense

Nossa História: Uma Seven-Up e três copos, por favor! Parte II – A quebra do tabu

O Ico já havia deixado a televisão ligada desde muito e como já dissemos na coluna anterior os três garotos lá estavam desde as sete horas esperando pelo início da partida, que começaria só depois das nove.

Procuraram os melhores lugares e se ajeitaram para ter uma visão perfeita da televisão. Nem perceberam as pessoas chegando e se acomodando como podiam.

Na ‘telinha’ já havia rolado telenovelas, jornalismo e ‘reclames’ que prendiam tanto a atenção dos garotos que nem sequer notaram a balburdia que imperava no local.

 

Se a emissora que transmitiu o jogo foi a Rede Globo, havia então terminado a novela das oito, que naquele período de 1968 seria ‘Sangue e Areia’. Começa o jogo e só então os três amigos notam que o bar está lotado. Eles praticamente no meio do povão. A bola rolando e o falatório, o barulho de garrafas sendo abertas e o tilintar dos copos tomam conta do ambiente.

Até aquela data o Corinthians já estava há onze anos e vinte e duas partidas sem ganhar do Santos, em jogos válidos pelo Paulistão. Um tabu que se mantinha desde um empate de 3 a 3 em 1957, partida na qual pela primeira vez haviam jogado contra o Rei Pelé.

Contando com os novos reforços Paulo Borges, Bulão e Eduardo, o Timão entrou em campo determinado e pronto para passar bem pelo difícil e até então imbatível Santos. No primeiro tempo o jogo terminou empatado.

O pessoal aproveita o intervalo para dar uma mexida. Os garotos que nunca tinham visto o bar tão cheio nem se levantam para não perderem o lugar privilegiado em que estavam.

Este é Luis Martelli, o saudoso Ico, no balcão de seu bar na Rua da Penha, que serviu de palco para o desenrolar desta história

De repente o Seo Ico se aproxima deles e pergunta com cara de poucos amigos: – E aí? Vocês não vão gastar nada?

Foi então que perceberam que a televisão não estava lá de graça. As pessoas gastavam em troca do direito de assistirem à programação. Comiam e bebiam, enfim, para poder manter aquele privilégio. Só eles não sabiam deste detalhe, na ingenuidade de garotos de cidade do interior dos anos 60. Eles olham para o Ico com aquela cara de quem diz: – Ué, e temos que gastar algo? Não podemos só assistir?

Um dos garotos olha então para o que está ao seu lado e faz um sinal para saírem. Quando estão se levantando, Ademir que era o mais velho e estava com alguns trocados no bolso retruca: – Não, sentem aí, vamos ficar.

-Mas você não ouviu o seo Ico? Disse Zezinho, o mais novo.

-Sim, ouvi sim e é por isso que estou dizendo que vamos ficar.

E rápido como um raio, se levantou e pediu logo:

– Seo Ico, traz aí uma ‘Seven Up’ e três copos, por favor!

O dono do bar fechou a cara e trouxe o pedido.

Foto nos dias atuais de José Natalino Paganini, que em 1968 era o Zezinho, protagonista da história do ‘Seven Up’

Recomeça o jogo e no segundo tempo o Corinthinas já entre em campo pressionando e Rivelino chuta uma bola na trave. Logo depois, aos treze minutos, Paulo Borges abre o placar após uma tabela com Flávio. Melhor em campo o ‘Timão’ segue firma em busca do objetivo. Aos trinta e um minutos Rivelino lança Flávio que aproveita a chance e amplia para 2 a 0.

Depois disso, o Corinthinas só esperou o juiz encerrar a partida para comemorar. Era o fim do tabu! A torcida invadiu o campo e carregou os heróis como se eles tivessem conquistado um título, gritando e cantando: “Com Pelé, com Edu, nós quebramos o tabu”.

Quanto aos garotos, terminaram de ver o jogo com seus copos de refresco na mão, pois haviam, como todos os demais clientes do Seo Ico, conquistado o direito de, naquela noite, assistir televisão no bar.

Nesta foto vemos a equipe que quebrou o tabu em 1968. Em pé: Osvaldo Cunha, Edson Cegonha, Luis Carlos, Diogo, Ditão e Maciel. Agachados: Buião, Paulo Borges, Flávio, Rivelino e Eduardo

OS TRÊS GAROTOS:

– Ademir Iamarino, que na época tinha quinze anos, ao atingir a maioridade rumou para a capital paulista, lá trabalhou e estudou. Hoje é alto funcionário da SERPRO, Serviço Federal de Processamento de Dados, a maior empresa pública de prestação de serviço em tecnologia da informação da América Latina.

– Sergio de Mello, o que tinha quatorze anos, iniciou sua vida de trabalho na Decar, indústria de bolas de futebol, e posteriormente foi empregado na Nogueira Máquinas Agrícolas. Lamentavelmente faleceu há cerca de dez anos.

– José Natalino Paganini, que então contava com treze anos, depois de alguns trabalhos em Itapira se tornou empresário. Hoje é proprietário da Bindart e Presidente da Associação Comercial e Empresarial de Itapira.

 

Esta coluna foi publicada originalmente na versão impressa do jornal A Gazeta Itapirense

 

 

 

 

 

 

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