Nossa História: Os bares da praça Bernardino de Campos
São duas da manhã e não há como o sono chegar. As lembranças afloram em minha memória e tudo que tenho vontade de fazer é escrever e colocar para fora tudo que sinto no peito.
O fim de mais uma Festa Della Nonna trouxe de volta à praça Bernardino de Campos a sua triste realidade. Quem viu e viveu aquele local em tempos passados sabe o que estou sentindo ao relembrar tudo aquilo.
Em minha cabeça as lembranças rodam como um tour pela praça de antigamente, com seus bares movimentados e os cinemas lotados de gente ávida por um bom entretenimento. Num instante me transportei para aquela época e aquele mundo.
Revi o Bar do Odilon, comandado pelo Odilon de Castro, que ficava bem ao lado do posto de gasolina que ocupava o espaço da esquina da Comendador João Cintra. Um local onde os senhores da época se reuniam no final de tarde e início de noite para um papo no reservado conhecido por senadinho.
Fechei os olhos e vi a bomboniére que ficava no lado esquerdo de quem adentrava ao bar, sempre recheada de balas e chocolates. O outro canto, mais tarde, abriu espaço para a lotérica comandada por um de seus filhos, o Zé Maria de Castro.
Caminhando em minhas lembranças pela calçada me deparei com os cartazes do Cine Rádio, colocados na primeira porta do Cine Bar. Vi os filmes da época expostos como se estivessem convidando os aficcionados pela sétima arte.
O Cine Bar, que tinha o balcão em formato de L com azulejos na cor azul, era comandado pelo Jóia. Do lado direito de quem olhava da rua havia o corredor que dava acesso ao cinema.
Passei pela frente do Centro Comércio e Indústria e lá estavam novamente os enormes cartazes anunciando os filmes que seriam exibidos no Cine Paratodos.
Cheguei na outra ponta da rua, na esquina com a Conselheiro Dantas, e lá estava outro ponto de encontro dos senhores da época. O Bar Central, com sua sorveteria e o restaurante, comandado pelo China e pelo Lamartine.
Quantas vezes, em minha tenra adolescência, foi ali que ouvi os jogos do meu Palmeiras, vendo aqueles senhores, que embora fossem fregueses, ocupavam o espaço do lado de dentro do balcão, no canto onde ficava o caixa.
Em meus sonhos, muitas vezes, me vejo naquele lugar, onde ficava a sorveteria, o guichê que vendia passagens para os ônibus da Gardênia e da Viação Bragança, se não me falha a memória, e o espaço reservado para os fregueses que desejassem lustrar os sapatos, bem próximo da entrada para o restaurante.
Dobrei a esquina e regressei um pouco mais em minha infância. No sobrado imponente, bem ao lado da Padaria Ideal, do Custódio de Mello, revi o Itapira Bar, do Alberto Baldissin, que embora ficasse na rua ao lado, contribuía para o movimento constante da praça principal da cidade.
Parado ali, em frente aquele que era um dos pontos mais movimentados da cidade, lembrei de fatos interessantes como os passados nas manhãs de domingo. Depois de ir à missa na Matriz de Santo Antonio, invariavelmente acompanhava meu pai ao Itapira Bar, onde os adultos se encontravam para a cerveja gelada e o aperitivo oferecido pelo ‘seo’ Berto Baldissin, então proprietário. Eu, como criança, claro, degustava minha Crush gelada e atacava as porções de amendoim, azeitona ou mesmo de filé, servidas pelo Arlindo Leite, o Lindo garçon.
Mas, o que me veio à memória como um bólido foi exatamente o cheiro que exalava dos barris de azeitona, instalados em um quartinho que ficava entre o balcão e o salão. Aquele aroma delicioso, como que por encanto, imediatamente bateu nas narinas, como se eu estivesse ali, naquele lugar encantado e, como num passe de mágica, voltado no tempo.
De volta à praça principal, minha viagem no tempo me levou até a porta do Clube XV. Só olhei porta adentro. Afinal, naqueles tempos de glória, apenas as famílias da alta sociedade freqüentavam aquele lugar.
Do outro lado da praça, no Palacete Anastácio, vi o Hideo Cachiba tirando do tacho mais uma remessa de pastéis de queijo e carne. Senti aquele aroma delicioso e entrei para tomar uma Cerejinha.
Hoje, infelizmente, nada disso existe mais. Nem mesmo o Bar do Edifício e o Chopão, pontos de encontro dos jovens na década de 70. Um a um, todos foram morrendo, os pontos transformados em outros tipos de comércio e a praça principal da cidade perdendo seu encanto.
Apenas quem viveu aquele tempo guarda na memória os momentos que tiveram a praça central da cidade como palco. Hoje não há mais aquele glamour de antigamente.
As pessoas passam pela praça como se estivessem passando por qualquer outro local, sem se darem conta do que aquele lugar sagrado significa para tantas pessoas. Que a praça serviu de ponto de encontro e de partida para milhares de relacionamentos afetivos, namoros e casamentos. Que muitas pessoas se conheceram ali, se sentaram à mesa de um daqueles bares, viram um filme em um dos cinemas e iniciaram um relacionamento que se transformaria na formação de uma nova família.
Já passa das três da manhã e agora já posso retomar o sono. Minha mente já fez seu passeio rotineiro pelos caminhos de antigamente e as lembranças se aquietaram em meu coração. Revi muitos lugares por onde passei em minha infância e adolescência, reencontrei pessoas queridas e relembrei passagens que estavam guardadas em um canto esquecido de meu baú de memórias.
*Matéria publicada originalmente na versão impressa do jornal A Gazeta Itapirense em 05 de julho de 2014 pelo jornalista Humberto Butti.