Gazeta Itapirense

Nossa História: O guardião de minha mãe

Sou de um tempo em que cada pessoa tinha seu devido valor. Não importava a importância dela para o contexto da sociedade, mas o que ela significava na vida de cada um de nós.

Várias foram as pessoas que deixaram marcas profundas em minha existência. Algumas pelos laços sanguíneos, como pai e mãe, outras por estarem presentes em diversos momentos de nossas vidas e, de uma forma ou de outra, representarem uma página em nosso livro da vida.

E é incrível como centenas de pessoas que conhecemos passam como bólidos pela nossa vida e desaparecem na poeira sem deixar rastro. De quando em quando reaparecem do nada e somem novamente num piscar de olhos.

Meu amigo Antonio Carlos Venturini, o Coca, o guardião de minha mãe

Outras, entretanto, estão sempre ali, como parte integrante do nosso dia-a-dia. São figuras tão fáceis de se ver que quando não as vemos é como se faltasse um pedaço da gente.

 

Desde que nasci e, principalmente a partir de quando comecei a entender essa coisa complicada que chamamos de vida, algumas pessoas estiveram sempre ao redor, preenchendo cada momento e traçando as linhas pelas quais minha vida foi escrita. Lembro bem como se fosse hoje de tantos vizinhos que já partiram desta para a que chamamos de melhor.

Minha mãe Dirce, que já não está mais entre nós

E, entre tantos e tantos que se encaixam nesse contexto, há aqueles que não me saem da memória. Vira e mexe e algum reaparece como que por encanto e me fazendo lembrar de algum detalhe curioso dos tempos em que eu ainda era um menino magricela de orelhas grandes.

Coca é um desses personagens inesquecíveis. Alegre, extrovertido, bem informado e palmeirense como eu, sempre foi um companheiro de todas as horas.

A esquina da Comendador João Cintra com a Ladeira São João

Nos últimos anos de sua vida era ali no portão da minha casa que ele gostava de se sentar para ver o dia passar. Era sair de casa cedinho e lá estava ele, sentado naquele portão como se fosse um guardião de todos nós.

Minha mãe, como de costume, também se sentava naquele lugar e, invariavelmente, era com ele que batia longos papos. Uma boa piada, um fato ligado ao futebol ou qualquer que fosse o assunto, desde que não fosse política e ambos comungavam do mesmo pensamento.

A política era assunto proibido entre ambos. Afinal, Coca era totonhista ferrenho e minha mãe tinha lá seus motivos para não concordar.

Eu, um menino magricela de orelhas grandes, com meu pai e minha mãe

Mas, tirando esse pequeno detalhe, de resto os dois eram grandes amigos, assim como eu o tinha como um daqueles amigos que se guarda para sempre na memória e no coração. Lembro bem de seu jeito de brincar com as pessoas, sem que em algum momento ofendesse ou irritasse alguém.

Não são raros os momentos em que fecho os olhos e retorno aos tempos em que a casa número 20 da Comendador João Cintra era minha moradia. Volto quase que sempre em pensamento ao local onde nasci e vivi grande parte de minha existência.

E, embora saiba que nada será como antes, deixo meus pensamentos vagarem por tudo que vivi naquele local. Em meus devaneios vejo o Coca Venturini sentado ali no portão de casa como um guardião de todos nós.

Quando retorno à realidade imediatamente lembro das palavras que eu sempre dizia para ele: “estou sempre tranqüilo pois sei que o segurança de minha mãe está sentado no seu posto”. E, por incrível que possa parecer, cerca de 15 dias depois que minha mãe partiu, meu amigo Coca, o guardião de minha mãe, também deixou seu posto, fechou seu paletó de madeira, e deve ter seguido com sua missão em um plano superior, me deixando órfão de um dos amigos mais queridos que tive.

*Coluna publicada originalmente na versão impressa do jornal A GAZETA pelo jornalista Humberto Butti

 

 

 

 

 

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