Nossa História: A praça central como referência
Toda cidade tem uma praça central. Um local onde fica a matriz principal, o coreto e que sedia os principais eventos da cidade.
A praça central é o ponto de referência de toda cidade. É o local onde as pessoas se encontram, se divertem, se conhecem, se amam e se casam.
Ao redor dela estão os estabelecimentos que fazem a vida da cidade girar. Bares, clubes, cinemas, restaurantes, casas comerciais, agências bancárias, enfim, tudo o que é importante para o povo rodeia a praça central da cidade.
É na praça central de uma cidade que acontecem os grandes eventos, os grandes comícios, as grandes manifestações populares. É nela que as pessoas fazem o passeio dominical após a missa.
Itapira foi assim um dia. Na minha infância, adolescência, juventude e até mesmo em boa parte da minha fase de adulto a praça central sempre foi assim.
Até que tudo que tinha em sua volta foi se acabando como se uma praga assolasse aquele local. Os bares fecharam suas portas, os restaurantes mudaram para outras bandas, os cinemas foram desativados e a praça ficou órfã de seu movimento.
Quantos e quantos filmes vi nas telas do Cine Paratodos e do Cine Rádio. Desde os clássicos de Walt Disney até os impagáveis Mazzaropi e Renato Aragão. Dos bang bangs italianos aos épicos Ben Hur, El Cid e Os 10 Mandamentos. Dos lendários Hércules e Maciste aos musicais estrelados por Roberto Carlos nos tempos da Jovem Guarda.
Quantos shows tive o prazer de assistir no Centro Comércio e Indústria e no Clube XV de Novembro. Benito di Paula no Centrão, Simonal no Clube XV e assim por diante.
Era um tempo bem diferente. Um tempo em que as pessoas tinham na praça central o ponto de referência para tudo que fossem fazer.
Os jovens se reuniam defronte o Bar do Edifício, em frente o Chopão ou freqüentavam os bailes dos dois clubes. Os bailes de debutantes eram realizados no Clube XV, que trazia grandes estrelas em seus bailes de aniversário, como Dick Farney, que vi em meados dos anos 70, na primeira vez que vesti um terno, emprestado pelo Beto Baldissin.
No Centrão a lotação era garantida nos bailes com o Corrente de Força, que depois virou Placa Luminosa. Os bailes de Natal e Ano Novo eram aguardados com ansiedade por todos e era para o Centrão que todo mundo se dirigia depois da tradicional ceia.
Na época do Carnaval o Clube XV abria sua programação com o Baile do Branco, sempre na sexta-feira. O Centrão, algum tempo depois, passou a realizar o seu Baile do Havaí.
Mas era nas quatro noites de folia que os dois clubes ficavam abarrotados de gente. As orquestras davam um verdadeiro show e no final do baile da terça-feira, já com o dia clareando para anunciar a Quarta-feira de Cinzas, as duas orquestras se encontravam no meio da praça para dar continuidade ao Carnaval por mais alguns instantes.
Tudo isso já não existe mais. O tempo passou, os bailes carnavalescos mudaram de endereço, foram para o Tênis Clube e depois para o Clube de Campo Santa Fé até agonizarem e morrerem para sempre.
Hoje, a realidade é bem outra. A praça central da cidade já não é ponto de referência para mais nada. Sua vida resume-se aos três dias da Festa Della Nonna em agosto e à Festa da Padroeira, no início de setembro.
De todos os bares, restaurantes, cinemas e clubes nada restou, nem mesmo a fonte luminosa com suas águas coloridas pelas luzes, dançando ao som da valsa. Apenas a perua do cachorro-quente permanece ali nas noites de domingo, sob o olhar imponente da estátua do Virgolino, em meio à penumbra desértica do restante da praça.
Por que será que tudo ali morreu? Será que alguém rogou alguma praga? Ou será que a praça central acabou ficando esquecida a ponto de deixar de ser o ponto de referência da cidade?
Será que um dia alguém irá olhar para a praça central com olhos de saudade e resolver transformar aquele lugar em um ponto de referência novamente? Será que um dia alguém com poderes irá parar ali por alguns instantes, sentar em um dos bancos da praça para relembrar os momentos de sua infância ou os amores da juventude e decidir investir na sua revitalização? Será?
Coluna publicada pelo jornalista Humberto Butti na versão impressa do jornal A Gazeta Itapirense em 05 de maio de 2014