Gazeta Itapirense

Inclusão de pessoas com deficiência depende de mudanças em comportamentos

Autor: Felipe Mateus
Fotos: Antonio Scarpinetti – Acervo pessoal
Edição de imagem: Paulo Cavalheri

 

Criado em julho de 2021, Coletivo Autista da Unicamp promove atividades e formações voltadas à inclusão de autistas no ensino superior (foto: divulgação)

Os organizadores da Jornada esperam que as atividades despertem a atenção para as mudanças comportamentais necessárias para  a inclusão de pessoas com deficiência. “É uma busca por sensibilização, para que as pessoas entendam que já estamos nas universidades. As adaptações de que precisamos são voltadas a uma educação humanizada, ao acolhimento, ao olhar sensível de professores. Esse é o tipo de adaptação de que precisamos, e entendemos que elas são positivas para todos na universidade”, explica Guilherme de Almeida, mestre em Educação pela Unicamp e coordenador do CAUCamp. A experiência de Guilherme como autista atuante nos meios acadêmico e cultural exemplifica o quanto o acolhimento pode fazer a diferença no potencial das pessoas com deficiência.Entre os dias 29/11 e 3/12, o Coletivo Autista da Unicamp (CAUCamp) e a Comissão Assessora de Acessibilidade da Diretoria Executiva de Direitos Humanos da Unicamp (CAA/DeDH) realizam a primeira edição da Jornada Formativa para Inclusão no Ensino Superior. Com o tema “Percursos para uma formação humanizadora”, o evento tem o objetivo de discutir formas de abordagem e de humanização do ensino de pessoas com deficiência, além da criação de políticas educacionais que garantam seu acesso e permanência na universidade. Participam da jornada docentes e pesquisadores da Unicamp e de instituições parceiras que se dedicam ao tema. Os seminários serão transmitidos pelo canal do DeDH no YouTube. A programação completa e o link para as inscrições podem ser encontrados no site da DeDH.

“Ter o diagnóstico foi um divisor de águas”

Formado em Direito no Paraná, desde a adolescência Guilherme sentia dificuldades de interagir com outras pessoas e desconforto com o excesso de estímulos à sua volta. Isso fez com que fosse diagnosticado com depressão por psicólogos e psiquiatras que o acompanhavam. “Quando criança, a perspectiva que se tinha de alguém autista era de apresentar algum déficit intelectual. Mas nunca tive um déficit dessa forma, pelo contrário: as pessoas achavam que meu jeito de ser se explicava porque eu era muito inteligente. Minhas estranhezas eram coisas de gente inteligente”, descreve o pesquisador, que também sofreu durante a graduação, em razão de aspectos próprios do ofício da advocacia, como a retórica e o poder de interlocução.

Ao mudar-se para Jundiaí e começar a trabalhar na Secretaria de Educação do município, surgiu o convite para frequentar, como ouvinte, disciplinas do Mestrado em Educação na Unicamp. Interessado em aprofundar os conhecimentos na área, ele ingressou como aluno regular do programa no ano seguinte, desenvolvendo uma pesquisa sobre o papel mediador das famílias no processo de ensino das crianças. Foi durante esse período que Guilherme descobriu que o incômodo, era característica de um quadro de autismo leve.

O processo de diagnóstico levou mais de um ano. A sugestão partiu do Serviço de Assistência Psicológica e Psiquiátrica ao Estudante (SAPPE). “Ter o diagnóstico foi um divisor de águas. Quando entendi o que acontecia comigo, percebi que tinha alternativas para me regular e não sofrer mais. Conhecer o que é o autismo e entender que sou autista me ajuda a encontrar formas de regular como meu corpo reage para que eu tenha mais equilíbrio e consiga viver com mais tranquilidade”, relata Guilherme.

Mestre em Educação pela Unicamp, Guilherme de Almeida foi responsável pela criação do CAUCamp (foto: acervo pessoal)

Ciente de suas características, ele sentiu o desejo de encontrar outras pessoas que compartilhavam as mesmas histórias e necessidades. Foi assim que surgiu o CAUCamp, Coletivo Autista da Unicamp. Fundado em julho de 2021, ele conta com perfis no Instagram e Facebook para troca de informações sobre o autismo, promovendo também atividades de formação e conscientização. Com um formulário enviado a toda a comunidade universitária, o coletivo chegou a identificar 52 membros da Unicamp, entre alunos, docentes e funcionários, com diagnóstico de autismo, além de outros 70 em investigação. O grupo também mantém contatos com pessoas interessadas em conhecer o autismo para que sejam promotoras da inclusão dentro e fora da Universidade: “Mais de cem pessoas nos procuraram relatando que familiares apresentam características do autismo. Eles queriam participar do coletivo e entender um pouco mais sobre o quadro”.

Além de discutir questões relacionadas à inclusão de autistas no ensino superior, o CAUCamp também se propõe a dar visibilidade a tal condição em pessoas adultas. Segundo Guilherme, grande parte das políticas de assistência social direcionadas a pessoas autistas são pensadas para crianças, sendo que a condição permanece por toda a vida. “O coletivo foca nesse público, de jovens e adultos, mas temos membros com mais de 60 anos. É um público diverso e que não recebe acompanhamento de forma sistematizada. É esse vácuo que tentamos preencher”, pontua. A primeira atividade do coletivo foi realizada em outubro, em parceria com o Coletivo Autista da Universidade Federal do Rio de Janeiro

Conhecer sua própria condição e ter contato com outros autistas facilita a integração. Hoje, Guilherme desenvolve atividades que são importantes para sua convivência. Além de pesquisador e coordenador do CAUCamp, ele é responsável pelas relações institucionais do Instituto Nacional de Pesquisa e Promoção de Direitos Humanos (INPPDH) e curador cultural do Projeto Escuta, desenvolvido pelo Instituto de Apoio à Orquestra Sinfônica do Paraná, que realiza entrevistas sobre música, arte, cultura e direitos humanos. “É um movimento em que consigo fazer mediações, interagir e me sentir em equilíbrio. Isso é importante porque dá voz e autonomia a quem tem essa condição”, reflete.

Por mais acolhimento e humanização

A busca do CAUCamp pela inclusão de autistas no ensino superior tem o potencial de beneficiar uma grande variedade de pessoas, até mesmo as que não convivem com nenhum tipo de deficiência. De acordo com Guilherme, a perspectiva de uma educação humanizada, em que são respeitadas as características individuais no processo de aprendizagem, já contribui para o bem-estar e a inclusão de pessoas com autismo. “Autistas não requerem grandes alterações estruturais. Nossas adaptações são voltadas a questões de acolhimento e sensibilidade por parte de professores e servidores”, pontua. Ele cita medidas simples, como a possibilidade de estudantes autistas fazerem provas em ambientes separados dos demais, onde não estão expostos a muitos estímulos.

A realidade dos estudantes autistas evidencia a necessidade de abordar a inclusão de pessoas com deficiência nas universidades e outros espaços, não apenas no que diz respeito às adaptações de ambientes físicos e na oferta de ferramentas e recursos. Além desses elementos, é fundamental que ocorra uma mudança de comportamento entre as pessoas que integram as instituições. “Por desconhecimento, muitos professores não sabem lidar com alunos com deficiência. Eles não tiveram a oportunidade de ter contato anterior com essas pessoas. O autismo é um caso mais sensível, pois envolve o contato interpessoal”, explica Núbia Bernardi, docente da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FECFAU) da Unicamp e presidente da Comissão Assessora de Acessibilidade da DeDH. Nesse processo, ela destaca o papel de atividades como a I Jornada de Inclusão.

Núbia esclarece que, atualmente, as três universidades públicas paulistas (Unicamp, USP e Unesp) e o Centro Paula Souza trabalham para a elaboração de

Núbia Bernardi ressalta a importância de remover barreiras que dificultam a inclusão de estudantes com deficiência (foto: Antonio Scarpinetti)

políticas comuns de inclusão e acolhimento para pessoas com deficiência, algo semelhante ao Programa Incluir, que promove ações de acessibilidade nas universidades federais. Ela também defende que as instituições se antecipem à chegada de estudantes com deficiência para realizarem as mudanças que garantam a inclusão em seus espaços: “Precisamos saber que barreiras os alunos com deficiência enfrentam, sejam arquitetônicas, pedagógicas ou de atitudes. Temos que remover essas barreiras para tornar o ambiente mais universal possível, independente das pessoas que estão convivendo nele”.

Serviço

I Jornada Formativa para Inclusão no Ensino Superior: Percursos para uma Formação Humanizadora
De 29 de novembro a 3 de dezembro
Inscrições em https://www.sympla.com.br/i-jornada-formativa-para-inclusao-no-ensino-superior-percursos-para-uma-formacao-humanizadora__1400468
Transmissões em https://www.youtube.com/channel/UCKpZccZVqB-OTy1-Nmw2yDA

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