Crônica: O triste fim de uma canção de amor
Antes de mais nada, permita me apresentar, sou, ou melhor, era uma singela e linda canção de amor.
No dia em que nasci, a lua brilhante no céu alumiou o coração de um inspirado compositor romântico e de suas rimas e melodia, surgi numa euforia alucinante de versos apaixonados.
Logo aquela composição simples no violão e voz foi melhor estruturada e eu passei a ser tocada por um conjunto musical: bateria, guitarras, violões, teclado e o belo vocal de uma cantora sertaneja.
Fui gravada num CD de muito sucesso e passei a ser tocada à exaustão nas rádios do Brasil inteiro. O sucesso foi tanto que o primeiro lugar nas paradas chegou em menos de uma semana.
Em shows lotados, em cidades conhecidas e outras que nunca ouvi falar, meu refrão era entoado por milhares de vozes, e nos finais das apresentações, coros insaciáveis de bis pediam-me de volta e eu era cantada novamente, para alegria e emoção do público delirante.
O reconhecimento foi tanto que milhões de discos vendidos me laurearam com disco de ouro, disco de platina e disco de diamante.
Uma versão castelhana de minha letra foi composta seguindo “ipsis litteris” o sentido das palavras e em pouco tempo, toda América Latina cantava meus versos harmônicos e românticos. Argentinos, chilenos, porto-riquenhos, mexicanos, enfim, todos se apaixonaram por mim.
Com tanta repercussão não demorou para que uma versão em inglês fosse composta e a partir daí, conquistei o mundo!
Foram vários meses no primeiro lugar em dezenas de países e a mais tocada do ano.
Pois então… tudo estava maravilhosamente bem, até que chegaram as eleições municipais.
Essas malditas eleições e uns malditos aproveitadores que pegaram minha melodia e trocaram minha letra por versos desconexos, esdrúxulos e ridículos sobre candidatos tão ridículos e sem noção quanto.
Fui plagiada em vários municípios do Brasil. Agora sou tocada em alto falantes de automóveis e motocicletas sem dó nem piedade (dos ouvintes) pelas ruas das cidades.
É difícil… é muito difícil essa minha sina de canção de amor, pois sei que a partir de agora, muitos me conhecerão como música do candidato fulano ou sicrano, e toda beleza de outrora será esquecida para sempre no limbo de uma campanha eleitoral.
RODRIGO ALVES DE CARVALHO nasceu em Jacutinga (MG). Jornalista, escritor e poeta, possui diversos prêmios em vários estados e participação em importantes coletâneas de poesia, contos e crônicas promovidas por editoras e órgãos literários. Atualmente colabora com suas crônicas em conceituados jornais brasileiros e Blogs dedicados à literatura.
Em 2018, lançou seu primeiro livro intitulado “Contos Colhidos”, pela editora Clube de Autores. Trata-se de uma coletânea com contos e crônicas ficcionais, repleto de realismo fantástico e humor. Também pela editora Clube de Autores, em 2024, publicou o segundo livro: “Jacutinga em versos e lembranças” – coletânea de poemas que remetem à infância e juventude em Jacutinga, sua cidade natal, localiza no sul de Minas Gerais.