Gazeta Itapirense

Crônica: Com asas nos pés, por Humberto Butti

Vi esse menino correndo atrás da bola, aterrorizando as defesas contrárias nos campinhos da vida. Fosse no campo dos Prados, onde o trem passava atrás de um dos gols, ou na Santa Cruz, bem pertinho do cemitério.

Não importava quem estivesse pela frente, grande ou não, ele passava como um bólido, sempre com a bola grudada no pé direito, driblando laterais, zagueiros, buracos e touceiras.

Naquele tempo não havia as facilidades de hoje, os gramados de hoje ou os recursos oferecidos aos garotos, como chuteiras macias, caneleiras, bolas impermeáveis e tudo mais. Era na raça mesmo, descalço, com bola que quando abria a costura mostrava a câmara de ar que havia dentro dela.

Sílvio, ou Dé, como era conhecido por todos nós, parecia ter asas nos pés. Quando partia em direção ao gol adversário era difícil ser parado.

Vi aquele jovem, antes um garoto, progredir e ganhar espaço no time da cidade. Com a camisa grená do Itapira, despontava como grande promessa de seguir carreira e para tanto bastava uma chance de provar seu talento.

A chance veio, e justamente no Palmeiras, seu e meu time do coração. E lá se foi o garoto de 18 anos tentar a sorte em um time grande, recheado de craques.

Não demorou muito e lá estava ele, envergando a camisa 7 do Alviverde do Parque Antarctica. Suas jogadas pela direita, suas infiltrações defesa adentro levavam pânico ao adversário e eram uma arma mortal utilizada para alcançar a vitória.

Acompanhei sua trajetória, pelo rádio, pela TV ou mesmo in loco, no estádio. Vi ele desmontar a defesa do Botafogo do Rio em um jogo no Pacaembu, até ser sacado do time pelo técnico Jorge Vieira, que ouviu o tradicional coro de ‘burro’ entoado pela torcida.

Vi aquele veloz camisa 7 contribuir com seus passes para o Palmeiras eliminar o Internacional no Morumbi e chegar à final do Brasileiro de 78. Se não foi campeão, pelo menos provou seu talento com a bola nos pés.

Com dor no coração ouvi pelo rádio o lance em que um lateral de nome Manoel, do Botafogo de Ribeirão Preto, usou a violência para parar aquele ponta veloz e praticamente selar sua passagem pelo Palmeiras. Assim quis o destino, senhor de todas as ações.

Sílvio seguiu sua carreira, defendeu outros clubes, mostrou que sabia o que fazer com a bola, mas a vitrine já não era a mesma. Encerrou sua carreira em outro alviverde, o União São João, de Araras, cidade que escolheu para seguir a vida, constituir família e ensinar o que sabia aos garotos da base.

Só quem viveu aquela época sabe do que estou falando. Só quem viu aquele garoto com asas nos pés sabe que talento não se compra no mercado da esquina, mas já vem no sangue que corre nas veias.

 

*Humberto Butti é escritor e jornalista, autor dos livros O Menino Magricela de Orelhas Grandes, Passagens e Personagens da Vida (já publicados) e Os Melhores Anos de Nossas Vidas (em fase final)

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