Gazeta Itapirense

Crônica: Aleluias apimentadas, por Rodrigo Alves de Carvalho

Todo mundo sorriu quando saíram as aleluias. Pois, as aleluias só saíram porque caiu uma chuva bem forte no final da tarde. Fazia quase três meses que não chovia. A chuva lavou a rua empoeirada, reverdeceu as folhas secas das árvores velhas e fez crianças saírem da frente dos celulares para molharem calcanhares na enxurrada do meio-fio.
As aleluias sempre saiam quando começava a temporada de chuva, era certeza que choveria com mais constância nos próximos meses.
Aleluias sempre voavam quando a chuva cessava. Voavam pelas ruas, pelas casas, na farmácia e no botequim. Voavam sem rumo, voando fugindo das andorinhas que cassavam as aleluias em pleno ar. As andorinhas voavam atrás das aleluias pelas ruas, nos quintais e nos terrenos baldios em frente ao botequim.
As aleluias, quando voavam no botequim, caiam de quando em quando dentro dos copos americanos com cerveja. Era preciso cobrir a boca do copo com um guardanapo de papel para não corrermos o risco de beber cerveja com tira gosto de aleluias. Se bem que, se as andorinhas comiam, não iria fazer mal algum ingerirmos insetos alados embebecidos ao líquido maltado.
Quando as aleluias perdiam suas asas e ficavam andando pelo chão do botequim e pelos cantos debaixo do freezer, saíam os sapos.
Os sapos ficavam por ali, mas quando as aleluias apareciam, os batráquios davam o bote com suas línguas ligeiras e as ingeriam rapidamente.
Mas, tinha um sapão verde acinzentado que gostava de aleluia apimentada. O anuro foi mal acostumado pelo Zé (dono do botequim), que uma vez besuntou uma aleluia com molho de pimenta cumari conservado em óleo. O sapo esticou a língua, apanhou a aleluia apimentada, abriu e fechou a boca várias vezes, fez cara feia, pensou em cuspir fora, mas engoliu. Depois disso, toda vez que tem aleluia, o sapo fica esperando o Zé apimentar as aleluias para ele poder comer, fazer cara feia e querer mais.
O sapão está velho e anda com certa dificuldade. Os frequentadores do botequim acham graça (alguns tem nojo e outros morrem de medo), porém, não sabem ao certo se o sapo tem dificuldade em dar seus pulinhos pela idade avançada ou por estar sofrendo de hemorroidas, devido ao seu consumo exagerado de aleluias apimentadas.
RODRIGO ALVES DE CARVALHO nasceu em Jacutinga (MG). Jornalista, escritor e poeta, possui diversos prêmios em vários estados e participação em importantes coletâneas de poesia, contos e crônicas promovidas por editoras e órgãos literários.  Atualmente colabora com suas crônicas em conceituados jornais brasileiros e Blogs dedicados à literatura.
Em 2018, lançou seu primeiro livro intitulado “Contos Colhidos”, pela editora Clube de Autores. Trata-se de uma coletânea com contos e crônicas ficcionais, repleto de realismo fantástico e humor. Também pela editora Clube de Autores, em 2024, publicou o segundo livro: “Jacutinga em versos e lembranças” – coletânea de poemas que remetem à infância e juventude em Jacutinga, sua cidade natal, localiza no sul de Minas Gerais.
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