Gazeta Itapirense

Cemitério da Saudade – Uma galeria de arte a céu aberto

Pode até parecer um pouco macabro abrir o jornal e se deparar com fotos de túmulos, mas não é não. Ou pelo menos, não deveria ser encarado como tal, afinal eles são simplesmente uma conseqüência rotineira da vida. Ou como diria a sabedoria popular: é o fim de todos nós, ou ainda, a única certeza da vida.

Porém, longe de nós filosofarmos sobre tema tão inóspito e cheio de controvérsias. O que nos cabe aqui é tão somente levar ao conhecimento do caro leitor o que afinal está acontecendo em nossos dias e não semear balbúrdia sobre um futuro que embora certo seja desconhecido.

Para que se tome maior ciência sobre o fato vamos retroceder um pouco na história de nossa querida terra, Itapira. E para tanto vamos contar com a ajuda de nosso grande e saudoso historiador Jácomo Mandatto, fazendo uso de suas palavras em partes de seu texto sobre os antigos cemitérios desta cidade no livro “História Ilustrada de Itapira”, volume II, como vemos a seguir: “O primeiro cemitério do qual se tem notícia ficava ao lado ou nos fundos da primitiva capelinha dedicada a Nossa Senhora da Penha… Tal capelinha e tal cemitério ficavam na ladeira do Cubatão, nas imediações das atuais ruas General Osório, Francisco Glicério e Embaixador Pedro de Toledo. Algumas décadas depois a capelinha singela foi demolida por ter sido construída uma igreja maior… Com a desativação da capelinha, extinguiu-se, também, o cemitério que estava ali. Ao mesmo tempo, a partir dos anos 1850, um novo cemitério foi aberto, localizado onde atualmente estão os prédios da Escola Júlio Mesquita e Prefeitura, divisando pelo lado de cima com terras… do atual Parque Juca Mulato e pelo lado de baixo, com a Rua do Cemitério (atual 15 de Novembro). Em 1883 os vereadores da Penha do Rio do Peixe estavam preocupados com a localização deste cemitério, ou seja, ficava na parte mais central da cidade, justamente no lado em que dia a dia mais aumentavam as edificações. Foram muitas as discussões travadas na Câmara para se chegar a um final feliz sobre a mudança do cemitério. Em fevereiro de 1888 uma comissão… tendo examinado diversos lugares dos arredores da cidade que poderia prestar-se à construção… deu parecer favorável a um terreno situado para os lados da Santa Cruz, ‘em lugar alto e plano, próximo às três cruzes que ficam na beira da estrada que desta cidade vai a Mogi Mirim’. Dois anos se passariam até que as obras tivessem início, em janeiro de 1890… Finalmente no dia 26 de agosto de 1890 abre-se o novo cemitério. Dois dias depois é registrado o primeiro sepultamento”.

Jácomo Mandatto relata em sua obra, detalhes de vários acontecimentos com referência à criação do Cemitério da Saudade, inclusive ilustrando-a com fotos dos primeiros jazigos que lá foram construídos. Realmente são belíssimas obras de arte, não fosse pelo fato de se encontrarem em um cemitério e servirem de abrigo e morada eterna. Hoje, são apenas moradia para gatos e depósitos de ferramentas. Obras raríssimas que foram executadas por artistas de renome na época, como Roni e Coluccini, utilizando para isso materiais importados, como mármore vindo da Itália, por exemplo. Vale a pena fazer uma visita e contemplar capelinhas que um tudo lembram catedrais, em miniatura, da idade média. São muitas, mas infelizmente estão se deteriorando, mais pelo descuido do que pela ação do tempo. Provavelmente a maioria desses jazigos já foi esquecida pelos familiares ou nem mesmo existe mais família para deles cuidar. Ficam algumas perguntas no ar para quem de direito possa responder: Há a possibilidade de um tombamento desses monumentos? Por que não preservá-los em sua forma original? Por que não cuidar deles como patrimônio histórico da cidade?

Há pelo menos dois em especial que merecem ainda mais atenção, não pelo fato de serem tão imponentes, mas pela referência histórica que representam. Um deles é o primeiro mausoléu à esquerda de quem entra pelo portão principal: trata-se do local onde descansam os restos mortais de João Baptista de Araujo Cintra, o Comendador João Cintra, vulto propulsor do desenvolvimento de nossa cidade. O outro é a sepultura do Padre Manoel Carlos de Amorim Correia, fundador da Igreja Católica Apostólica Brasileira. Embora na época houvesse grande interesse em sufocar o acontecido e provocar seu esquecimento, o que ocorre é que o fato se deu em terras itapirenses e faz parte da história nacional.

Mas o que realmente nos move a editar matéria sobre tal assunto, não é o simples fato de levar ao conhecimento dos leitores essa pequena, porém fundamental, parte de nossa história, e sim chamar a atenção dos itapirenses para o lastimável estado em que se encontra grande parte do Cemitério da Saudade, última morada de nosso antepassados, de entes queridos que perdemos recentemente e também local onde, embora contra nossa vontade, futuramente poderemos habitar.

Não nos cabe julgar e muito menos cobrar responsabilidades, mas entendemos que todos os cidadãos tem sua parcela de contribuição nos fatos decorrentes da história, e por ela responde conforme o grau de sua participação.

  • Coluna publicada originalmente na versão impressa do jornal A Gazeta Itapirense

 

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