Gazeta Itapirense

Boate Kiss: dolo eventual ou culpa consciente?

Especialista explica diferenças que podem selar o destino dos acusados pela tragédia que deixou 242 mortos

No dia 1º de dezembro, o noticiário estará voltado para o julgamento do caso da Boate Kiss, incêndio que deixou 242 mortos em Santa Maria (RS) e comoveu o Brasil. Os empresários e sócios da casa noturna, Elissandro Spohr e Mauro Hoffmann, o músico Marcelo de Jesus dos Santos e o produtor musical Luciano Bonilha Leão serão julgados por 242 homicídios e 636 tentativas de homicídio.

advogado criminalista Renan Farah, especializado em Tribunal do Júri, explica que os réus vão a júri popular porque foram denunciados por homicídios com dolo eventual. “A grande discussão que esse caso suscita é a diferença entre o dolo eventual e a chamada culpa consciente. O dolo eventual acontece quando o agente prevê que seus atos tenham um resultado ruim, mas segue em frente assumindo o risco de que algo ocorra, demonstrando não se importar com o resultado”, explica.

Segundo Farah, a chamada culpa consciente acontece quando o sujeito prevê um resultado ruim, mas não acredita que vá acontecer. “A diferença é tênue. O dolo eventual tem se tornado cada vez mais comum nos tribunais, mas é muito difícil de ser comprovado. E o ônus da prova é sempre de quem acusa”, comenta.


Julgamento do caso Boate Kiss acontece
em 1º de dezembro (Foto: Polícia Civil do RS)

O porquê das acusações
Em 27 de janeiro de 2013, um integrante da banda Gurizada Fandangueira acendeu um sinalizador de uso externo dentro da boate. As faíscas incendiaram a espuma que fazia o isolamento acústico e isso liberou gases tóxicos que mataram a maior parte das vítimas por sufocamento.

Farah explica que a denúncia por dolo eventual foi baseada nas ações dos réus durante o incêndio. “A promotoria entendeu que, mesmo que os sócios não tenham acendido o sinalizador que causou o incêndio, eles instalaram o isolamento acústico inadequado, permitiram a superlotação da boate, não providenciaram extintores de incêndio em quantidade adequada”, explica.

Além disso, as investigações mostraram que a boate não tinha saídas de emergência adequadas e muitas vítimas foram impedidas de sair da boate pelos seguranças, que obedeciam à ordem de um dos donos, que temia que as pessoas não pagassem as contas.


O advogado criminalista Renan Farah

Desforamento
Geralmente, os julgamentos ocorrem nas cidades onde os crimes aconteceram, mas, no caso da Boate Kiss, foi transferido para Porto Alegre. “No Direito, chamamos isso de desforamento. Ele acontece geralmente em casos de grande comoção e repercussão, para que os jurados não sejam influenciados. Santa Maria é uma cidade pequena, muita gente perdeu alguém na tragédia, dificilmente seria um júri isento”, explica.

O especialista explica que esse julgamento será emblemático, tanto pela comoção que provocou, quanto pela particularidade das acusações. “Será, certamente, o júri mais longo do Rio Grande do Sul. Além disso, tem todos os elementos para ser um estudo de caso nas faculdades de Direito, já que os agentes, acusação e defesa, utilizarão de ferramentas técnicas e emocionais para converter 4 dos 7 jurados a favor da sua tese”, avalia Farah.

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