Artigo: A vitivinicultura no estado de São Paulo
O Estado de São Paulo foi o pioneiro no cultivo da videira no Brasil, com a introdução de variedades trazidas da Ilha da Madeira em 1532 para a Capitania de São Vicente por Martin Afonso de Souza, que distribuiu as mudas e os lotes de terras, sendo que o primeiro viticultor foi o cavaleiro fidalgo português Brás Cubas, cujos primeiros vinhedos foram plantados onde hoje é a cidade de Santos. Não obtendo êxito pelo clima úmido do litoral e também por outros motivos, resolveu junto com Luis Martins e demais “criados” subir ao planalto, e encontraram local na foz do ribeirão Tatuapé com o rio Tietê, estabelecendo ali um rancho onde se produziam bem as uvas e vinhos, sendo então o pioneiro da vinicultura nacional. Lembrando que nesta fase as variedades eram todas Vitis vinífera (europeia), sendo as variedades ‘Ferraes’, ‘Moscatel’, ‘Dedo de Dama’, ‘Bastardo’ e ‘Galego’ as principais cultivadas. À partir daí, houveram as expansões e as bandeiras, levando o cultivo para o interior. Por questões econômicas ligadas à mineração de ouro, no final do século XVII e início do XVIII a vitivinicultura paulista foi quase extinta, ficando restrita ao consumo local. Então, a partir de 1785 por um alvará da coroa portuguesa, proibiu-se a elaboração de vinhos na colônia por motivos tolos de que eles teriam de exportar produtos de Portugal para a colônia, para manter o “controle”.
O grande impulso da vinicultura paulista ocorreu com a imigração europeia, principalmente a italiana a partir de 1850. Com a chegada de variedades nativas da América do Norte no viveiro de Francisco Marengo e Pereira Barreto, situado na região do Tatuapé por volta de 1880, e também eram trazidas nas malas sarmentos de americanas e híbridas que eram cultivadas na Europa naquela época devido à expansão da praga Filoxera, como a variedade híbrida ‘Isabel’ (‘Fragolina’ na Itália) e a americana ‘Bordô’ (‘Terci’ em Portugal). No final do século XIX e início do século XX o cultivo da videira já estava se expandindo junto às fazendas cafeeiras e nas terras que os imigrantes rapidamente conseguiam adquirir pela força de trabalho livre que tinham. Fortemente houve expansão na Serra da Mantiqueira desde as regiões do Sapucaí (Campos do Jordão, São Bento do Sapucaí), em Cunha, em São Roque, entorno da capital paulista, em Amparo, Serra Negra, Itapira ou Penha e toda a região onde se encontra o Circuito das Frutas Paulista, e também relatos do cultivo e de vinícolas mais pro interior em São José do Rio Pardo, entorno de Andradas-MG no lado paulista (Espirito Santo do Pinhal, Santo Antônio do Jardim) e até Taquaritinga havia uma grande cantina na fazenda da família Rossi, com expressiva produção de vinhos.
Sempre se destacando as variedades americanas neste período do Século passado. Porém, há relatos de Celeste Gobato, um enólogo italiano contratado pelo governo do Rio Grande do Sul para desenvolver o cultivo de uvas europeias naquele Estado, quando o mesmo veio se basear na viticultura paulista. Quando, no município de Amparo havia uma grande companhia vinícola com testes e cultivos de viníferas e híbridas, inclusive com a produção de mudas por enxertia de mesa, o que há de mais moderno hoje em dia. Essa fase perdurou até por volta de 1970, quando o vinho do Estado do Rio Grande do Sul começava a chegar e tomar lugar nos mercados paulista e nacional. Além disso, as regiões de cultivo tradicionais em safra de verão não eram propícias à obtenção de vinhos de melhor qualidade e houve a mudança do cultivo de uvas de vinho para mesa, certamente devido ao “aparecimento” da variedade Rosada da Niágara em 1933, ocorrida por uma mutação de um ramo de ‘Niágara Branca’, tornando-se esta rosada a preferida dos consumidores e produtores paulistas.
No Século XX com a expansão vitivinícola o Estado de São Paulo também recebeu grandes investimentos públicos principalmente através do Instituto Agronômico de Campinas (IAC) que desenvolveu variedades híbridas adaptadas ao clima e os Porta Enxertos da série IAC que são hoje a base de toda a viticultura tropical, à nível mundial. Essa fase se deu até o início dos anos de 1990, quando o investimento em pesquisa pública ainda era significante.
De 1960 a 1980, o Estado de São Paulo em geral passou de produtor para importador de vinho do sul do país, restando poucas unidades produtoras em São Roque, Jundiaí, e muitas vinificações informais pulverizadas pelo Estado, mesmo que de forma comercial ou como “hobbye”, com pouca ou nenhuma produção de uva, que era importada do Sul do Brasil. A transformação da viticultura paulista, tradicionalmente produtora de vinhos de mesa em produtora de uvas para consumo ‘in natura’ foi muito rápida. Em menos de 10 anos, o Estado se tornou um dos maiores centros de produção de uvas para mesa do Brasil, permanecendo assim até os dias atuais. Outro fator preponderante na mudança foi a especulação imobiliária no entorno de São Paulo e a industrialização que retirava a frente de trabalho dos parreirais.
O desenvolvimento da vinicultura para o sul do país não se deu somente pelo surgimento da “uva rosada” em São Paulo como fator principal, sendo que essa mudança também foi devida à facilidade de produção devido ao clima bem definido, mão-de-obra rural farta nas colônias da Serra Gaúcha, à tradição dos imigrantes e o consumo local elevado, a produtividade alta de uvas americanas e híbridas no Rio Grande do Sul, devido ao clima semelhante ao Leste norte-americano de onde são nativas. No sul ocorreu também investimento forte em tecnologia e pesquisa à partir da década de 1970 já em variedades de uvas europeias, por incentivos governamentais e privados, intercambio com países como a Itália.
A grande mudança no cenário começou a aparecer já no final dos anos de 1990 em São Paulo, surgindo algumas pequenas iniciativas de enoturismo na região de Jundiaí, e à partir do início dos anos 2000, surgia um grande nome da pesquisa vitivinícola mundial, com uma técnica revolucionária implantada no sul de Minas Gerais, na Empresa Mineira de Pesquisa Agropecuária, a EPAMIG, a qual também intercambiou com São Paulo com trabalhos fortes no Sul de Minas e algumas paralelas no Centro de Frutas do IAC em Jundiaí.
Essas pesquisas consistiam em fazer duas podas em variedades de uvas europeias, no início mais especificamente nas variedades francesas ‘Syrah’ e ‘Sauvignion Blanc’. Após uma das podas, que é normal no fim do inverno e início de primavera são retirados todos os cachos após a brotação, deixando a planta se desenvolver vegetativamente com força, e em pleno verão que é chuvoso no Brasil tropical, realiza-se outra poda e então os cachos são deixados para amadurecer no inverno, que é seco e ameno, com grande amplitude térmica onde o clima se assemelha às melhores regiões produtoras do mundo. Em resumo, deu certo, e as uvas são produzidas com qualidade perfeita para elaboração de vinhos de alta gama e concorrer em igualdade aos grandes vinhos.
À partir disso, em 2006 se iniciaram os primeiros empreendimentos para fins de dupla poda no Estado de São Paulo, nas regiões de Espírito Santo do Pinhal, na Região de São Bento do Sapucaí, esta sendo dividida na parte mais baixa até 1200 metros de altitude onde é possível podar duas vezes, e acima de 1500 metros de altitude onde se faz a safra no ciclo natural da videira. Porém, foi necessária uma adaptação na tecnologia do manejo, por conta da alta pluviosidade no período vegetativo e de frutificação, o que foi resolvida pela Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (CATI), por meio da implantação do cultivo protegido com filme plástico, diminuindo assim a severidade das doenças fúngicas. As baixas temperaturas da região levam à uma maturação lenta e a vindima se dá em período mais seco, de março à maio dependendo da variedade da uva.
Surgiram também movimentos fortíssimos no Circuito das Frutas e em São Roque houve a retomada da produção de uvas no município impulsionada pela técnica de Dupla Poda. Mas ainda assim, havia quem não acreditava.
Entretanto, a revolução se deu com a aquisição de uma medalha em 2016 na principal revista de vinhos do mundo por uma vinícola de Espírito Santo do Pinhal, que colocou o Estado e o sudeste todo em evidência, e à partir de então, um grande movimento de investidores buscam naquela região áreas para plantio e instalação de vinícolas, com foco no enoturismo, e esta mesma vinícola emplacou seu vinho na capa da mesma revista em 2020, então a técnica se consolidou de vez. A primeira medalha encorajou outros produtores, que também vem sendo premiados na região da Serra da Mantiqueira, em São Roque e no Sul do Estado de São Paulo. Espírito Santo do Pinhal já conta hoje com pelo menos 35 empreendimentos vinícolas e com um roteiro enogastronômico. Nos próximos anos, surgirão mais de uma centena só naquela região, gerando renda e melhorando a qualidade de vida de muitos. Os desafios a serem superados ainda são muitos e a expansão não está regionalizada, está espalhada por diversas regiões paulistas mesmo com pouca ou nenhuma tradição de cultivo e os resultados são impressionantes. Basta provar e se emocionar!
Artigo produzido por: Eng Agrº Carlos Eduardo Canivezi Antunes – Assistente Agropecuário CATI SAA SP e Eng Agrª Dra Silvana Catarina Sales Bueno – Assistente Agropecuária CATI-DSMM SAA SP