Gazeta Itapirense

Artigo: O padre que morreu sorrindo, por Humberto Butti

Nasci no seio de uma família católica. Meus avós eram parte integrante da Matriz de Santo Antônio, sempre presentes e sempre auxiliando no que fosse necessário.
Minha avó Leonor era a responsável pelos pastéis nas quermesses e meu avô João Butti fazia parte do grupo que prestava serviços à paróquia comandada pelo padre Matheus Ruiz Domingues. Essa devoção não era em vão, além de serem religiosos, tinham um filho no seminário, se preparando para assumir seu lugar como padre.
Desde pequeno acompanhei todo esse processo. Meu tio José Rubens estava no seminário e vinha a cada folga para casa. Estudou em São Paulo, Campinas e algum tempo passou também em Aparecida, mas sempre que podia vinha para Itapira.
Era um tempo feliz, a família se reunia a cada data especial como Natal, Ano Novo e Páscoa. A mesa comprida no rancho da casa de meus avós sempre ficava cheia e muitas vezes seus colegas seminaristas também marcavam presença, entre eles Jacintho Domeni Martins e José Veríssimo Sibinelli, que mais tarde também foram sacerdotes na Matriz de Santo Antônio.
Quando estava em Itapira meu tio cumpria seus deveres na igreja, mas também tinha sua vida normal como jovem que era. E, como bom corintiano, logo pela manhã descia a Rua Hortêncio Pereira da Silva até o Bar Santo Antônio, de propriedade do Carlos Zacchi, para ler as notícias no jornal A Gazeta Esportiva.
Certa vez, em uma dessas manhãs, segundo relato do Guilherme Martelli, meu tio estava em uma das mesas lendo o jornal quando apareceu um senhor, de uma outra religião, como uma bíblia na mão. Ao se dirigir ao balcão, abriu a bíblia e começou a ‘pregar’.
O Ico Martelli, pai do Gui, que trabalhava no bar e estava no balcão, interrompeu o discurso e mostrou meu tio, sentado e absorto na leitura. “Fale com aquele moço ali”, disse. E, imediatamente, o homem com a bíblia se dirigiu à mesa onde meu tio estava e começou a falação.


Calmamente, meu tio pediu a ele que abrisse a bíblia em uma determinada página e, ao ser atendido, começou a falar para o homem tudo que ali estava escrito. Sem ação, restou ao homem, enfiar a viola no saco ou a bíblia embaixo do braço e dar no pé.
Meu tio José Rubens tornou-se diácono no dia 14 de junho de 1970. Guardo essa data porque foi no dia em que a seleção brasileira derrotou o Peru por 4 a 2 na Copa de 70 e garantiu vaga nas semifinais para enfrentar o Uruguai.
Depois disso ainda passou um período no seminário até tornar-se padre em maio de 72. Indicado para assumir a paróquia de Santa Cândida, em Araras, foi para lá e lá faleceu em novembro do mesmo ano, aos 29 anos.
Padre José Rubens Butti, ou simplesmente meu tio Zé Rubens, foi um padre muito além do seu tempo. Com ideias inovadoras, sempre buscou dar às missas e atividades religiosas um conceito mais leve e moderno.
Com seu jeito amigo, conquistou a confiança de todos os que frequentavam suas celebrações, mesmo os mais radicais. Fez amigos por onde passou e mesmo tanto tempo depois de subir para o andar superior ainda é lembrado por seu carisma e em sua lápide está a homenagem feita pelos amigos que angariou em Araras: “O padre que morreu sorrindo”.

*Humberto Butti é escritor e jornalista, autor dos livros O Menino Magricela de Orelhas Grandes e Passagens e Personagens da Vida

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