Crônica: O amor está nos ponteiros do relógio
O romance entre os ponteiros de meu relógio de parede começou um pouco depois que o comprei, numa barraquinha de camelô em uma quermesse na Festa de Maio.
Pendurei o bonito relógio redondo, que tinha o fundo imitando madeira e os ponteiros escuros, na parede lateral em relação a estante e a TV, na sala.
Nunca havia comprado um relógio de parede antes, já que por muito tempo tive um despertador vermelho, que ficava em cima da estante, mas, infelizmente, num dia de faxina, acabei derrubando e ele veio a quebrar.
Como o relógio de parede funcionava com duas pilhas pequenas, coloquei logo duas alcalinas, para que durasse por mais tempo.
E realmente, nas duas primeiras semanas, ele funcionou direitinho, contudo, na terceira semana, notei pequenas dessincronias entre as horas e a programação da TV.
Como não tinha outro relógio em casa, ligava para o serviço de Hora Certa pelo telefone e constatava realmente um pequeno atraso em relação ao relógio na parede.
Troquei as pilhas novas por outras pilhas novas, mas os pequenos atrasos continuavam. Notei então, que a cada encontro do ponteiro grande com o ponteiro pequeno, eles ficavam “enroscados”, um pouco mais que o minuto necessário para que o ponteiro grande avançasse.
E a cada uma hora, cinco minutos e vinte e sete segundos aproximadamente, os dois ponteiros se encontravam e demoravam um pouco além do tempo normal, um sobre o outro.
Num primeiro momento, acreditei que havia algum problema mecânico, talvez os ponteiros se enroscavam por estarem mal encaixados. Porém, não consegui detectar problema algum nesse sentido.
Ainda por alguns meses, consegui acompanhar as horas do relógio, mesmo com os pequenos atrasos causados pela sobreposição dos dois ponteiros. Entretanto, a situação mudou drasticamente, quando os dois passaram a ficar mais que simplesmente alguns segundos juntinhos e a união passou a demorar mais de um minuto.
Aquilo seria insustentável! Principalmente, pelos constantes atrasos, que a cada dia se tornavam ainda maiores. Até chegar ao cúmulo de os dois ponteiros demorarem mais de cinco minutos para se separarem cada vez que se encontravam.
Percebi então, que o problema de meu relógio de parede não era mecânico, e nem de pilhas fracas, mas, de paixão.
O ponteiro grande e o ponteiro pequeno estavam apaixonados, e a cada volta das horas, eles se encontravam para amarem.
Como sou um entusiasta do amor verdadeiro, resolvi ajudar para que essa relação pudesse durar por muito tempo e retirei as pilhas do relógio, posicionando os dois ponteiros juntinhos às doze horas, onde permanecerão em uma união estável por muito tempo.
Já em relação à utilização de outro relógio de parede, comprei um mais bonito, maior, e principalmente, digital.
Por Rodrigo Alves de Carvalho
Rodrigo Alves de Carvalho nasceu em Jacutinga (MG). Jornalista, escritor e poeta possui diversos prêmios literários em vários estados e participação em importantes coletâneas de poesia, contos e crônicas. Em 2022 relançou seu primeiro livro individual intitulado “Contos Colhidos” pela editora Clube de Autores, disponível na Amazon, Americanas.com, Estante Virtual e Submarino.