Recuperação judicial evita falência do Grupo Virgolino de Oliveira
Depois de várias tentativas de negociação com credores que se arrastaram por mais de uma década, um plano de recuperação judicial, homologado no início de dezembro, tirou da rota de falência o Grupo Virgolino de Oliveira (GVO), dono de usinas de açúcar e etanol no interior paulista, que iniciou suas atividades há mais de 100 anos, em 1921.
Em meio a um cenário desafiador e sombrio, marcado por incertezas – e agravado pelo anúncio da prorrogação da desoneração dos preços dos combustíveis –, a concessão dessa recuperação é uma boa notícia para o setor sucroalcooleiro que, nos últimos anos, enfrenta um movimento de quebra e venda de empresas. Em termos de valores, o plano de recuperação do GVO está entre os 10 maiores já aprovados.
As cifras do acordo são consideráveis. As dívidas negociadas envolvem quase oito mil credores nacionais e internacionais, entre trabalhadores, fornecedores e instituições do mercado financeiro de vários países no valor total superior a R$ 7 bilhões. Ao fisco, o grupo deve R$ 1 bilhão, valor que não entra no plano de recuperação e está sendo negociado à parte.
História
O GVO foi fundado em 1921, pelo saudoso benemérito Virgolino de Oliveira, com a inauguração de sua primeira unidade, a Usina Nossa Senhora Aparecida, aqui em Itapira. Em 1970, a empresa comprou a Usina Catanduva e, em 2004, iniciou a construção de sua terceira unidade, localizada na cidade de José Bonifácio, que começou a operar em 2006. No mesmo ano, foram iniciadas as obras da quarta unidade, em Monções, que passou a operar em 2008.
A partir de 2009, o setor sucroalcooleiro passou a enfrentar uma crise sem precedentes. As dificuldades decorreram de uma somatória de fatores, como a crise financeira de 2008, entrada de empresas estrangeiras no mercado nacional, queda dos preços do açúcar no mercado internacional, falta de competitividade do etanol e acúmulo de dívidas contraídas entre 2003 e 2008, período em que a fabricação de carros flex impulsionava o mercado de etanol.
Nas safras anteriores, de 2004 a 2008, motivada pelo cenário até então favorável, a empresa havia realizado investimentos expressivos com o objetivo de aumentar sua capacidade produtiva, mas foi surpreendida, principalmente, com o estouro da bolha imobiliária (conhecida como crise do subprime).
Com a mudança radical de um cenário até então promissor, o grupo passou a enfrentar dificuldades financeiras para honrar os investimentos contratados, sem a contrapartida da projeção comercial que o motivou a investir.
“A falência seria o pior cenário para todos. Com a aprovação e homologação do plano, o grupo ganhou novas condições para saldar dívidas anteriores, assegurando sua longevidade, ainda que com atividade econômica reduzida. A decretação de falência só agravaria os problemas dos credores”, analisa Elias Mubarak Júnior, advogado do Mubarak Advogados Associados, um dos responsáveis por desenhar e negociar o plano de recuperação, ao lado do escritório TWK Advogados.
Credores
Os credores trabalhistas somam 5.762 pessoas. Conforme o cronograma estabelecido no acordo, já foram concluídas duas etapas de pagamentos no valor de cerca de R$ 140 milhões. Nos próximos dois anos, a empresa se comprometeu a quitar as dívidas de trabalhadores que tenham a receber entre R$ 20 mil e 150 salários mínimos (R$ 181,8 mil).
Entre os credores há, ainda, fornecedores de cana-de-açúcar e insumos para plantio e tratamento da cultura, agentes do mercado financeiro, incluindo bancos internacionais, pequenos empreendedores e microempresas.
Pelo acordo, as dívidas serão pagas com parte dos resultados líquidos auferidos, captação de novos recursos para a retomada operacional da empresa e por meio da alienação de bens móveis e imóveis na forma de UPI’s (Unidades Produtivas Isoladas).
O plano prevê nove UPI’S, compostas pelas Usinas José Bonifácio, Catanduva, Itapira e Monções, localizadas no interior de São Paulo, além de terras, imóveis urbanos e precatórios, provenientes da exclusão de PIS e Cofins da base de cálculo do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços).
A maioria das UPI’s será vendida por meio de processo competitivo, com propostas fechadas, a serem apresentadas por credores ou outras empresas interessadas. As datas de abertura das propostas serão definidas 90 dias após a homologação do plano de recuperação judicial.
Segundo os responsáveis pela negociação, o principal desafio para a elaboração do plano de recuperação da empresa foi a reaproximação com os credores, frustrados e resistentes, devido às diversas tentativas de renegociação que não vingaram ao longo dos anos.
“As equipes de assessoria jurídica e financeira do grupo se empenharam para restabelecer o diálogo com credores e estruturar as alternativas viáveis para uma solução em que ambas as partes, por meio de concessões mútuas, saíssem ganhando”, explica Joel Luís Thomaz Bastos, sócio do TWK Advogados.
Os desafios foram sendo superados ao longo de inúmeras reuniões, conversas e assembleias com credores, indispensáveis para a compreensão dos pontos de dor, dos interesses envolvidos e das concessões que cada um poderia fazer para a recuperação do Grupo.
A homologação do plano possui uma particularidade jurídica importante, já que foi rejeitado pela maioria dos credores trabalhistas. Um total de 447 não aceitou a proposta de pagamento de créditos de forma integral e no prazo de 45 dias.
Ao analisar o caso, o Juiz Felipe Ferreira Pimenta, da Vara Única da Comarca de Santa Adélia, aplicou o procedimento especial, previsto em lei, chamado “cram down”, por meio do qual é possível a aprovação mesmo com a discordância de credores na assembleia geral. Em seu despacho, o juiz entendeu que houve abusividade do voto dos trabalhadores que rejeitaram a proposta. O mesmo entendimento foi acatado pelo Ministério Público.