Lindos ipês, tucanos tristes: o que houve com as árvores das calçadas de Itapira?
Aos nascidos e crescidos em Itapira que hoje estejam na casa dos quarenta e cinquenta anos sugiro o seguinte exercício de nostalgia e, sobretudo, de sensibilidade e consciência ambientais: num desses domingos à tarde, em que todos os itapirenses se entregam, meio prazerosos, meio entediados, ao direito à preguiça, caminhem calmamente pelas ruas da cidade, observando com especial atenção as suas calçadas. Ao fazerem isso, vocês constatarão em várias delas muitos vestígios, indicativos e esqueletos do que antes eram árvores plantadas nas frentes das casas, algumas em cercados, outras sem proteção. Em seguida, com um pouco de esforço de memória e comparação, lembrarão que naqueles remendos, naqueles tocos, naqueles cimentos e pisos hoje perfeitamente reformados, existiam ali, há quinze, dez, cinco anos, raízes, troncos, flores, eventualmente frutos, passarinhos com seus ninhos e, nas manhãs e tardes muito quentes, sombras acolhedoras que funcionavam como ares condicionados naturais. E a razão para essas árvores terem sido arrancadas de frente dessas casas durante esses anos é bastante convincente e compreensível à primeira vista: suas raízes destruíam calçadas, seus troncos e galhos atrapalhavam a locomoção dos pedestres, suas folhas entupiam calhas e sujavam quintais, seus brotos e flores atraíam pernilongos e outros insetos desagradáveis, ou seja, as desvantagens não compensavam as vantagens de se ter uma árvore na calçada de casa.
Acontece que tal experiência, conclusão e solução radical parecem ter alimentado uma cultura na cidade de que o mais razoável, prático e até bonito é deixarmos nossas calçadas totalmente livres e limpas de quaisquer estorvos, dentre eles e em particular, as árvores. E, no lugar das árvores, o melhor, segundo essa cultura, é termos lixeiras, afinal, uma lixeira seria muito mais útil e teria menos inconvenientes do que uma árvore.
O resultado desse raciocínio e dessa cultura de eliminação das árvores das nossas calçadas e da valorização das lixeiras podemos sentir fazendo esse exercício de lembrança e comparação aqui proposto e vendo as imagens aéreas da cidade fornecidas por drones e disponibilizadas na internet: as ruas de Itapira estão cada vez menos verdes e mais cinzas, cada vez mais quentes e secas, com cada vez menos sombras para estacionarmos nossos carros e com cada vez menos palcos para a musicalidade e o desfile dos passarinhos. Por outro lado, é verdade, as calçadas estão cada vez mais livres para o vaivém dos pedestres, mais preservadas e menos incômodas para os seus proprietários, com muito mais lixeiras do que no passado, como se não houvesse uma alternativa capaz de conciliar o plantio de árvores com calçadas preservadas e cumpridoras da sua finalidade e com lixeiras.
Ainda usando o passado recente como critério de comparação, as pessoas com mais de quarenta e cinquenta anos certamente se lembram de que as maritacas e os periquitos que hoje estão por toda parte da cidade não eram pássaros comuns, personagens do cotidiano de Itapira há pouco anos. Entretanto, hoje, as maritacas e os periquitos se tornaram os novos pardais, isto é, ninguém mais se impressiona com esses seres verdes e histéricos descansando e sobrevivendo nos nossos telhados e postes. Em outras palavras, o tráfego de maritacas e periquitos famintos e desassistidos pelo céu da cidade foi naturalizado pela população.
E esse mesmo fenômeno de indiferença e naturalização está ocorrendo com os tucanos, que também estão se tornando os novos pardais, ou as novas maritacas de Itapira. Eles também estão por toda parte, famintos, desalojados, perdidos. Se antes esses tucanos causavam surpresa, deslumbramento e compaixão pela sua extraordinariedade e situação, hoje, tal como as maritacas e os periquitos, eles estão virando, infelizmente, a mais nova trivialidade da cidade, como se fosse natural tucanos tentarem sobreviver dentro de uma cidade, já que o seu habitat foi devastado pela ocupação habitacional desordenada e por uma política agrícola e ambiental ditada pelos interesses do agronegócio e do capital financeiro.
Mas nem todas as calçadas de Itapira se renderam à cultura nefasta da árvore zero em frente de nossas casas. Na avenida Rio Branco, do outro lado do ponto de ônibus do prédio da antiga Fepasa, um lindíssimo ipê-rosa colore, na companhia de vários beija-flores, um pedaço do céu de Itapira, e sem causar aparentemente dano nenhum à calçada que a sustenta, provocando talvez um único inconveniente para quem considera lixo tudo o que cai no chão: lindas flores rosas.
*Paulo Jonas de Lima Piva, 51, é doutor em filosofia pela USP e professor da UFABC (Universidade Federal do ABC)